O que foi então?
Murchou a flor, ou nunca foi
o que agora, disforme, contemplo?
Cessou a canção, ou nunca se cantou
o que agora, ruído, eu ouço?
O que houve então de verdadeiro
no que agora eu vejo desmentido?
Foi tudo nada, ou quem sabe, mais preciso,
na realidade o nada é que foi o todo?
Perdeu-se tempo e cores e acordes e sonhos,
em intermitentes gotas de esperança?
Ou perdeu-se mais, se bem que ainda não se saiba
o que, de tudo, foi perdido?
Mas sabe-se que se perdeu, e não foi pouco,
o que para sempre está perdido, do que antes se buscava.
E a flor que nunca foi, e a canção jamais cantada,
e os olhos perdidos numa linha qualquer do horizonte?
E as cores desbotadas em cada anoitecer,
e as sensações perdidas em cada despertar?
Quem há de me restituir os anos contados
nas palmas das minhas mãos, nos calos do meu viver?
E a luta incessante, covardemente perdida
contra o caminhar sem fim dos ponteiros do relógio?
E os números acumulados na minha calculadora,
tentando achar intermináveis soluções para os problemas?
E o caminhar frenético da caneta no papel,
tentando roubar de mim emoções em forma de poemas?
Diga-se simplesmente: "ao lodo!", "ao lixo!"?
"Às profundezas mais profundas das desilusões!"?
Sim, de fato é tão simples que pateticamente não aceito
que para cessar a dor é necessário que surjam outras,
e a flor que não é flor, e a canção jamais cantada,
encontrarão, por fim, razão para ser o que de fato nunca foram.